segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Seu Danda, o vendedor de doces do Alto José Bonifácio

seu danda

Casa de barro e chão batido... A roda do carro roda. Zero por cento de combustível... É madeira que se transforma em brinquedo, é carro de boi... No ar poluição de alegrias que prenunciam lazer eterno. A vida segue... Segue mesmo... Amadurece tudo... Envelhece todos... E o lazer fica a cada segundo para trás. A vida seguiu e chegou... E continua a seguir... Se houve tempo para admirar a lua, esse parecia mais a incerteza de um relâmpago que, por sua própria natureza, nunca espera, nunca é demais... O menino já é homem feito.

seu dandaLá para as bandas do interior da Barra de Guabiraba nasce João Rufino Lopes. Menino pobre que conheceu a rotina árdua do trabalho antes do galo cantar. Aos sete anos de idade. No sertão é assim... A infância despede-se de seu dono prematuramente. E o homem que, até um dia desse foi criança, sabe exatamente o significado de cada gota de suor que pinga quente do seu rosto. Sabe que quando o bucho pede comida, é hora de assumir que é valente e trabalhador. Mas o trabalho de alguma forma evolui o ser. Não é só fadiga. Portanto, varrer uma casa ou administrar um país é tão importante quanto se educar.

A metamorfose do tempo origina sua própria divisão. Das entranhas da zona rural onde trabalhou no plantio da cana e no engenho de rapadura na Usina Pedrosa, João é tirado pelas necessidades e chega até o Estado de São Paulo. Lá trabalhou no bananal. Retornando a Pernambuco, volta a Barra e, finalmente, Recife, viver de japonês. Chegou aqui, como diz o próprio, “puxando a cachorrinha”, apenas. Um Homem marcado por tanta peleja... Hoje por onde ele passa é festa, é doce, é nostalgia... E a comunidade do Alto José Bonifácio agradece.

seu dandaseu danda
seu danda

Todos que o conhecem sabem que a fotossíntese do seu eu impregna o ar de bondade. Sabem­­­­­­­­­­­­ que, assim como as borboletas partiram daqui há algum tempo, todos iremos também um dia. Alguns deixarão histórias para serem lidas e relidas e praticadas. Assim como Japinha, outro cognome do nosso japoneseiro, deixará. 

seu danda

Seu Danda, como é mais conhecido pelos populares, subiu o Bonifácio pela primeira vez em 1978. Hospedou-se na casa de uma irmã sua e nunca mais saiu dessa comunidade. Ainda hoje sua casa não é sua, é alugada. Aprendeu com um cunhado a passar troco. Cunhado esse que lhe presenteou um tabuleiro de alumínio e uma freguesia considerável.


Ser vendedor dessa guloseima para o generoso Danda já foi uma profissão. Hoje é uma vocação. Conhecedor de cada pedra que compõem o asfalto do Alto e das comunidades adjacentes, sai todos os dias de sua casa com quarenta quilos de doce na cabeça. Faça chuva ou faça sol. E sete horas bastam para esvaziar o tabuleiro. Tão temporal e tão firme. Uma rotina que leva doce a fregueses das mais variadas idades.

alto josé bonifácio
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alto josé bonifácio
De sandálias havaianas, bermudão e camisa pollo, anda pelos becos e ruas do bairro. Ja-po-nêêês! Batata, coco, amendoim e banana, freguêêêê-sa! Seu grito é aboio, é som de gonguê que, em vez de chamar os bois, chama os amigos... Chama os irmãos por parte de Deus. Ganha menos dinheiro do que os outros doceiros por cortar os maiores pedaços do mel, é verdade. Porém, cada venda que faz é sempre um espetáculo! Momento propício para a meninada comandar a festa.

Para quem já tirou madeira da mata sentindo o peso do machado, passar algumas horas à frente do fogão preparando doce, é o mesmo que admirar uma noite em tempo de lua cheia.

 


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alto josé bonifácio
alto josé bonifácioCasado, pai de quatro filhos, avô de oito netos. Tem seis irmãos que também são doceiros.

Dono de uma popularidade invejável, fica difícil de saber. Quem é mais popular: o doce ou o doceiro?

As moças de outrora hoje são senhoras. Ainda compram japonês ao velho amigo. E dizem: Éramos todas jovens quando ele começou... E isso já faz 36 anos. São lembranças de dona Quitéria e de dona Maria.

alto josé bonifácio
Hoje de fronte das lentes de um fotógrafo, é retratado com profissionalismo e respeito. Mostrado ao mundo como valor humano e profissional. Que foi, que é e que sempre será. Destaque dentro de uma comunidade periférica onde é personagem de um cotidiano cheio de buzinas, fios de alta-tensão, antenas parabólicas, crianças, alcoolistas e beatas. Onde, por ser bem quisto, até os cachorros vira-latas vêm ao pé de seu cavalete pedir doce.


alto josé bonifácio
Os Engenhos Japaranduba, Capibarinha e Marcau Assul ou Caga Fogo talvez sintam, hoje, a falta de um alguém que sempre deu o melhor de si. Talvez sintam a falta da fineza e da simplicidade de um homem que sai por aí, mas tem endereço certo.

Essa é uma história de superação, sucesso e dignidade. Uma forma de acariciar o Brasil que já sentiu o peso de uma ditadura. Uma fusão do que é brejeiro e do que é citadino. Incentivo para muitos burgueses e periféricos que têm medo de subirem “degraus”. Medo de saírem do casulo e acontecerem na vida.

                                                                                         
Expediente.
Fotografia e Arte - Jesuel Santana
Texto - André Santana
Local: Alto José Bonifacio, Recife - PE, Brasil

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