segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Raul do Morro Parte 2


Ele não nasceu há dez mil anos, nem tampouco sabe qual é o futuro da humanidade. Gosta de boa música, de tocar violão e de um maluco beleza que o Brasil conhece e admira. Estamos falando de um Raul que é fã do Raul Seixas. Reflexo e simpatia em uma única história cultuada dentro de um universo humano limitado dividido entre o sagrado e o profano. Comunidade, Homem e trajes. Tudo simples! Tudo Rock! Pensando bem, essa história fascinante sempre será uma roupa nova diante de uma cultura trash que insiste em ficar, infelizmente.

Em plena década de 50, nasce aqui, no Recife, Djair Antônio da Silva. Cresceu e vive até hoje no Morro da Conceição. Nessa mesma época chega ao Brasil os primeiros aparelhos de tv em preto e branco. Eram TVs de seletor, bagaço de cana e válvulas.

O que faz uma pessoa ser fanática por um cantor a ponto de torna-lo uma religião? Loucura isso, ou vontade de tornar-se também um ativista musical? De uma coisa não devemos duvidar: Quando um cantor é excelência, o coração dos fãs palpita diferente rejuvenescendo-os dia a dia. Prova de que podemos ter um mundo mais feliz se cada um der a sua contribuição social.
A admiração que Djair nutre até hoje pelas músicas do Raul aconteceu de repente e por acaso. Se é que o acaso existe!

Certo dia, ele foi convidado por seu amigo José Antônio para ouvir alguns discos do cantor Raul Seixas em sua casa. Djair ouve pela primeira vez a música Mosca Na Sopa e detesta. No entanto, ao ouvir a música Medo da Chuva, o milagre aconteceu em sua vida. A música comoveu-o tanto que quase chorou. Entrou em êxtase profundo por algum tempo. Aconselhado pelo amigo, virou sósia do cantor. O ano era 1983. 
      
Sua casa humilde e pequena transformou-se em fiteiro-bar. Na parte externa dela, estampada na parede, a figura do ídolo Raul Rock Seixas. Óculos de grau sobre à mesa. Óculos escuros no rosto. Pronto! O download espiritual é imediato. Com um violão cansado pelo tempo, porém afinado, Djair é show, é alegria... é canto iluminado pela luz da manhã. Uma moldura perfeita para fomentar reminiscências.

Se os afazeres da vida não existissem, tocaria Raul em todos os instantes e em todas as horas. Esse amor não é loucura, nem revolta e nem carência afetiva. É sim, consciência cidadã e preservação de uma originalidade que só o Brasil tem. Por isso, Djair, toca Raul! Toca Raul, por gentileza.

Como sósia, Djair fez muitas apresentações e ganhou pouco dinheiro.  Infelizmente um problema de saude afetou-lhe a voz. Porém, aprendeu com o tempo que é sempre maravilhoso tentar outra vez rumo ao que dignifica. Sendo assim, ele continua cantando dentro de suas limitações vocais.

O tempo muda, é fato. Traz consigo coisas boas e ruins. A tv de válvulas e tubo deu lugar à tv tela plana. Imagens em alta definição, imagens em cores... O Recife metamorfosiou-se... Os trens já não circulam mais por ele, silenciaram de vez... Para nossa consolação, alguns trilhos ainda costuram o chão do Bairro do Recife Antigo. Lá do alto do Morro, onde muitos fazem promessa, Djair já não ver mais ônibus elétricos rodando pela Av. Norte. Também desapareceram deixando apenas lembranças. O que não desapareceu foi o amor do sósia pelo ídolo. Esse sentimento, podem crer, é eterno.

Djair não significa só protesto. Mas, um jeito diferente de permanecer cultuando pérolas musicais diante de uma musicalidade atual extremamente apelativa, em sua maioria. Por isso, quem vem a Pernambuco não pode esquecer que, lá do cume, do alto, do pico, do topo do morro, onde uma santa de mãos unidas intercede por nós, há uma voz que canta, há uma voz que dança, há uma voz que gira bailando no ar.


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Expediente:
Texto - André Santana
Fotografia e Arte - Jesuel Santana 



Local: Morro da Conceição, Recife - PE, Brasil

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