segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Carnaval de Pernambuco 2013 - Bloco Papa Defunto / Block deceased Pope

Quarta- feira de carnaval quase tudo é cinzas... Oito e meia da noite. A Av. Norte parece deserta. As luzes alumiam por força do à pulso. O tempo tem cara de velório. O vento sopra mais forte e frio... É velório, realmente. E só quem aparece é quem possui coragem e muita flexibilidade no corpo. É necessário gingado e descontração. 

 
papa defunto
O cemitério do Bairro de Casa amarela é nosso ponto final. Lá, o vigilante encontra-se muito apreensivo. Procura uma maneira de conter uma multidão nervosa que se aproxima a cada passo de frevo. E descobre que a única solução é segurar o portão com os dedos, pois o cadeado é velho e, assim como a corrente, sente o mastigar lento da ferrugem. E a noite cai... cai... cai... cada vez mais.



Leitor, você estar perdido? Então continue lendo. Porque é cinza, canto, enterro. É Gil Gomes. Aqui... Agora!
papa defunto
Ele saiu da casa da patroa e foi caminhando, caminhando... Passou por uma casa funerária e se apaixonou por um caixão. Por um caixão... Que não era um caixão qualquer. Caixão multicor. Foi amor à primeira vista. Sentiu a espuma do leito que desce à tumba e esqueceu da vida quase que totalmente. Trabalhava de sol à sol, de domingo à domingo, mas não esqueceu da cerveja devassa que devassou tudo em sua vida! Até o chifre que o próprio levou. E ele foi! Foi! Foi! Foi pensar na vida na horizontal. E pediu música! Música! Muita música! Com direito a trios e frevioca. E o cortejo começa a andar às 21hs e 27 minutos. Momento exato em que a caixa colorida deu a partida assim que estouraram o primeiro rojão. Parece um carro de fórmula 1 tentando a Pole Position. Venceu as carrocinhas de cerveja logo de imediato. E uma placa de trânsito indica Guabiraba, mas ele não vai pra lá.

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papa defunto

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Essa apoteose fúnebre não acontece no Farol da Barra, é claro. Acontece na Av. Norte Miguel Arraes de Alencar, em Recife, numa noite fosca e opaca. Desde 1997 esse “enterra não enterra” está para acontecer. Ah! A mãe de Núbia está presente, também, nessa kilometragem toda! Apoio sandálias acauã. Mais conforto para os seus pés!

Passados os primeiros dez minutos, encheram o caixão de folha de canela, meu velho. Formigas humanas agitadas arrudeiam o bichinho. Papam o defunto exaustivamente. Que falta de respeito! E, para dá o último adeus ao nosso amigo incógnito, estão presentes na bacia do Vasco da Gama, vamos lá: A enfermeira do Hospital da Restauração, o advogado dos cornos sem OAB, John Lennon e os bonecos gigantes. Os semáforos estão doidos com tanto barulho. E placas indicam a todo o momento que não podemos estacionar. “Já visse isso”?

papa defunto


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São cinco trios e um mundo que descamba com o som, com tanta tristeza alegre.

Venda de cerveja, água mineral, espetinho e pipoca que pula junto com o povo são outros atrativos dessa festa legitimamente suburbana. 

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Nesse tipo de baile o “bicho pega”! É réveillon carnavalesco com aparência de assombração! Se não aguentar, pede pra sair, aspira!

Enquanto a sombrinha mais colorida do mundo gira, o falecido em seu conforto fala em alta voz: Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço!  

O diferencial disso tudo é que não há choro e nem chorinho. Não dorme, neném, que a folia pega!

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Rua Padre Lemos. Última pista de dança. O ponto de fuga indica chegada, mas não o fim da brincadeira. Do alto da frevioca é anunciado: Estamos chegando! Estamos chegando à “cidade dos pés juntos”! Salve, salve o locutor de rodeios! Nesse momento “toca-se parabéns pra você.” O difícil é saber se estamos ouvindo frevo ou marcha rancho, tais entendendo? E a voz retumbante do locutor: Chegaaaamos!

Chega o bloco ao seu destino. O morto levanta-se do caixão para tomar cerveja e mijar no banheiro da prefeitura. E comenta: se minha cova sair quadrada, demitam o coveiro. Trinta anos de profissão e não para de obrar. Dito isso, volta a deitar.

papa defunto
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Momento de furor! O caixão barrua no portão do cemiterial, assim como um navio em um iceberg. O morto é proibido de entrar em sua morada por estar sem camisa. Eita, placa maldita! A única solução é enguiçar. Mas o defunto está muito cansado e resolve voltar pra sua primeira casa ao som do frevo. Dá pra tu, ou quer mais?

Agora falando sério: Que significa brincar com a morte? Por que temê-la tanto? Vale a pena questioná-la?

Esperamos que você tenha curtido a festa. Que não esquente mais a cabeça com besteira. Desejo por encontrar o nosso morto-vivo ou nosso vivo-morto coberto de cinzas e de folhas no próximo carnaval. E que, para sua satisfação, essa estória sempre recomeça.

Um abraço a todos!

Expediente.
Fotografia e Arte - Jesuel Santana
Texto - André Santana
Local: Recife - PE, Brasil, Bairro Casa Amarela

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